25.3.18

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Quem não arrisca não erra, não se expõe
a que o vento lhe desmanche o penteado,
a cosmética das máximas mais firmes.
Este jovem, por exemplo, não arrisca,
veste de luto por si mesmo, num ensaio
de extinção. Ri-se dos passos que deixou
por tropeçar. Cada minuto em silêncio,
pensa ele, vale pelo menos seis dobrões
de serenidade. Sepultado até aos ossos
em palavras aprendidas, faz o encómio
da vida retirada, dos dentes de leite.
Escolheu o partido da solidão porque
a vida o assusta. Assusta-o a turbulência
do mal, a guinada sanguinária em que se
jogam os sucessos, os triunfos - a vida,
julga ele, é refractária à piedade. Fala-se,
na vida, muito alto, cometem-se rasteiras
e negaças por vontade. É de fugir
ou devorar, comenta ele aos seus botões.
E nada disso o apaixona. Não foi feito
para guerras nem angústias, desconfia
do amor e da fraqueza que nos une
como eles de corrente ameaçada.
Antes quer a sepultura dos libertos,
declarar-se à fantasia dos caídos
sem combate. E de tanto recuar,
não parece outro o seu destino.

José Miguel Silva, Erros Individuais, Relógio D'Água (vindo dali)